Imagine a cena: você se deita, pronto para descansar, na esperança de cair em um sono profundo… mas, de repente, sua mente começa a correr. Preocupações, ideias soltas, listas de afazeres, medos — tudo surge de uma vez, como se um botão de “não parar de pensar” tivesse sido acionado. O sono? Fica para depois.
Se isso já aconteceu com você, saiba que pode estar enfrentando um episódio de pensamento acelerado noturno, um dos fatores que mais contribuem para a dificuldade de pegar no sono ou até mesmo para episódios de insônia.
Essa agitação mental durante a noite é mais comum do que parece — e sim, ela é frustrante. Mas a boa notícia é que existem estratégias baseadas na ciência que podem ajudar a desacelerar a mente e melhorar a qualidade do sono.
Continue a leitura e descubra o que pode causar esse excesso de pensamentos e quais atitudes você pode adotar para dormir com mais tranquilidade.
O que causa o pensamento acelerado? A neurociência explica
Embora muito comentada hoje em dia, a Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA) hoje em dia, popularizada pelo psiquiatra, professor e autor Augusto Cury, não é uma doença catalogada e reconhecida oficialmente como um transtorno pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a aceleração do pensamento é reconhecida na literatura científica.
Segundo o médico psiquiatra Mário Rodrigues Louzã, do Instituto de Psiquiatria da USP, o pensamento acelerado não constitui uma síndrome, mas sim um sintoma que pode estar presente em diferentes transtornos mentais, ou até mesmo em períodos de estresse intenso.
Na prática, isso significa que aquela onda de pensamentos acelerados antes de dormir — ou que te desperta no meio da noite — pode ser um sinal de que algo no seu emocional ou neurológico está pedindo atenção, e pode evoluir para um episódio de ansiedade noturna.
Mas, afinal, o que causa esse excesso de pensamentos? A seguir, listamos os principais fatores que podem estar por trás dessa inquietação mental.
Excesso de atividades durante o dia
À medida que a noite chega e os estímulos externos diminuem, o ambiente fica mais silencioso — e a mente, sem distrações, começa a “falar” mais alto. O ideal seria que corpo e cérebro desacelerassem juntos, de forma gradual, ao longo da noite. Mas isso nem sempre acontece.
Quando os dias são corridos, cheios de compromissos, tarefas acumuladas e pouco tempo até para uma refeição tranquila ou um copo de água, o cérebro permanece em estado de alerta mesmo depois que o corpo para.
E é justamente nesse momento — quando tudo parece se acalmar — que a mente começa a revisitar pendências, preocupações e assuntos não resolvidos do dia, provocando aquele fluxo acelerado de pensamentos antes de dormir.
Ativação da rede de modo padrão (DMN)
A rede de modo padrão (DMN) é um conjunto de regiões do cérebro que se torna mais ativo quando estamos em repouso, ou seja, sem nos concentrar em tarefas específicas.
Essa rede está envolvida em pensamentos autorreferenciais, como reflexões sobre si mesmo, lembranças do passado e devaneios — atividades mentais comuns quando deitamos para dormir. À noite, com a diminuição dos estímulos externos, a DMN tende a se ativar com mais intensidade, favorecendo um estado mais introspectivo.
O problema é que, em vez de promover relaxamento, esse estado pode facilmente se transformar em ruminação, trazendo à tona preocupações, arrependimentos ou listas mentais de tarefas. E é aí que, mesmo com o corpo cansado, o sono pode demorar a chegar.
Ritmo circadiano e níveis hormonais alterados
O nosso ritmo circadiano é como um relógio biológico interno que regula os ciclos de sono-vigília, além de influenciar a liberação de diversos hormônios ao longo do dia, como é o caso do cortisol, conhecido como o hormônio do estresse.
Naturalmente, os níveis de cortisol devem cair à noite, permitindo que o corpo e a mente entrem em um estado de relaxamento. No entanto, quando estamos sob pressão constante ou lidando com altos níveis de estresse, esse hormônio pode permanecer elevado mesmo após o anoitecer.
O resultado? Mais dificuldade para “desligar” e uma mente em alerta, cheia de pensamentos acelerados.
Por isso, entender as causas do estresse e buscar formas de ressignificar atitudes e pensamentos é essencial para quebrar esse ciclo e promover um descanso de qualidade.
Questões emocionais não resolvidas
Durante o sono — especialmente na fase do sono REM (movimento rápido dos olhos) — o cérebro trabalha para processar e consolidar memórias, filtrando emoções e experiências vividas. Nesse processo, questões emocionais não resolvidas podem vir à tona, ativando pensamentos intensos enquanto o cérebro tenta organizar e dar sentido a tudo isso.
Essa agitação mental emocionalmente carregada contribui para o pensamento acelerado à noite, dificultando o relaxamento necessário para adormecer.
O problema é que isso também pode gerar um ciclo vicioso: noites mal dormidas aumentam o nível de estresse durante o dia, e o estresse acumulado dificulta ainda mais o sono na noite seguinte. Ou seja, quanto mais você pensa, menos dorme — e quanto menos dorme, mais pensa.
5 dicas para parar de pensar demais à noite (segundo a ciência)
A boa notícia é que você não precisa aceitar o pensamento acelerado como parte da sua rotina noturna. Existem maneiras eficazes — e comprovadas pela ciência — de desacelerar a mente e preparar o corpo para um sono mais tranquilo.
Se você costuma ficar olhando para o teto, lidando com mil pensamentos, essas estratégias podem te ajudar a retomar o controle e dormir melhor. Confira 5 dicas para reduzir o excesso de pensamentos à noite e melhorar sua qualidade de vida:
1. Tenha um ritual de relaxamento
De acordo com a neurocientista Liadan Gunter, fundadora da The Rewiring Lens, preparar o corpo e a mente para dormir é um passo essencial para melhorar a qualidade do sono.
Criar um momento de desaceleração no fim do dia ajuda a manter o ritmo circadiano equilibrado — o relógio biológico que sinaliza ao cérebro que é hora de descansar.
Estabelecer uma rotina de relaxamento também colabora na redução dos níveis de cortisol, o hormônio do estresse. Quando esse hormônio está alto à noite, ele pode dificultar o início do sono, causar despertares frequentes e impactar negativamente a profundidade e eficiência do descanso.
Por outro lado, níveis mais baixos de cortisol estão associados a um sono mais contínuo e reparador. A ciência já identificou diversas práticas simples e eficazes para relaxar antes de dormir:
- Tomar um banho morno;
- Preparar um chá calmante (como camomila, erva cidreira ou melissa);
- Ouvir músicas instrumentais suaves;
- Ler um livro leve e inspirador.
O segredo está em testar e descobrir qual ritual funciona melhor para você — e praticá-lo com regularidade, para sinalizar ao seu corpo que é hora de desacelerar.
Aproveite e leia também: 10 dicas para dormir bem a noite e ter um descanso restaurador.
2. Vá para a cama quando estiver suficientemente cansado
Embora dormir cedo seja um hábito saudável, deitar-se antes de estar verdadeiramente com sono pode acabar contribuindo para o pensamento acelerado à noite.
Quando o corpo ainda não está pronto para dormir, é comum ficar se revirando na cama, o que só aumenta a frustração e abre espaço para que a mente entre em atividade intensa. Essa energia “sobrando” acaba sendo canalizada para pensamentos repetitivos, reflexões excessivas e preocupações, dificultando ainda mais o relaxamento.
Esse problema é ainda mais evidente entre casais com ritmos de sono diferentes, onde um vai para a cama por obrigação ou companhia, mas sem estar realmente cansado — e aí a mente ativa entra em cena.
A recomendação é simples: vá para a cama apenas quando sentir que está fisicamente e mentalmente pronto para dormir. Isso ajuda a reduzir o tempo acordado na cama e evita transformar o quarto em um espaço associado à insônia.
3. Medite para permanecer presente
A meditação é uma ferramenta poderosa para acalmar a mente e trazer o foco para o agora. O pensamento acelerado geralmente está ligado a arrependimentos do passado ou preocupações com o futuro — e é justamente aí que a meditação entra: ela é uma prática que redireciona a atenção para o momento presente.
Praticar uma forma simples de atenção plena (mindfulness) antes de dormir, como uma meditação guiada, uma respiração consciente ou até uma visualização relaxante, pode ajudar a acalmar o fluxo de pensamentos e evitar que eles tomem conta da mente.
Com a prática regular, seu cérebro aprende a reconhecer quando está viajando demais e volta com mais facilidade ao aqui e agora — criando um ambiente mais favorável para o sono de qualidade.
4. Respire para acalmar seu sistema nervoso
Quando estamos imersos em pensamentos acelerados, seu sistema nervoso nem sempre consegue distinguir entre ameaças reais e percebidas. Isso ativa o sistema nervoso simpático (SNS) — responsável pela famosa resposta de “luta ou fuga” — e torna o relaxamento praticamente impossível.
A boa notícia é que podemos reverter esse estado ativando o sistema nervoso parassimpático (SNP), responsável pelas funções de “descanso e digestão”. E uma das formas mais simples e eficazes de fazer isso é por meio da respiração consciente.
Respirar devagar e profundamente ajuda a reduzir a frequência cardíaca, aliviar a tensão muscular e enviar ao cérebro o sinal de que está tudo bem. Isso acalma o corpo — e, por consequência, ajuda a mente a desacelerar também.
Antes de tentar controlar seus pensamentos, comece focando em se acalmar fisicamente. Técnicas como a respiração 4-7-8, respiração abdominal ou respiração alternada já mostram bons resultados na indução do sono.
5. Saia da cama e vá para outro cômodo
Se você já tentou tudo isso e ainda assim não funcionou, tente sair da cama e ir para outro cômodo. Isso evita que o cérebro associe o ambiente do quarto com frustração ou insônia.
Curiosidade: pesquisas indicam que atravessar uma porta pode funcionar como um “reset” mental, ajudando a compartimentar os pensamentos e até diminuindo a carga emocional do que estava te incomodando.
Se possível, vá até um espaço mais arejado — uma janela, varanda ou quintal — e respire um pouco de ar fresco. Esse simples movimento pode ajudar a reorganizar os pensamentos e trazer uma sensação de renovação.
Depois, escolha um dos seus rituais de relaxamento: medite, ouça uma música suave ou prepare um chá calmante. Retorne para a cama somente quando se sentir mais calmo e pronto para adormecer.
O pensamento acelerado à noite é um desafio real e, muitas vezes, silencioso. Ele rouba o sono, aumenta o estresse e interfere diretamente no bem-estar físico e emocional. Mas é importante lembrar: você não está sozinho(a) — e existem formas eficazes de lidar com isso. Desacelerar é um ato de autocuidado.
Experimente aplicar essas dicas no seu ritmo, com paciência e gentileza. Seu corpo e sua mente vão agradecer. Boa noite e bons sonhos!